domingo, 21 de agosto de 2005

Cem dias

Tendo-se como marco a denuncia de corrupção nos Correios, a crise política que abala o governo da República já percorreu uma centena de dias. Não se sabe quando nem qual será seu desfecho, mas uma fotografia panorâmica desse transcurso de tempo oferece alguns elementos de análise.
A oposição conservadora neoliberal, tendo como coadjuvante um esquerdismo inconseqüente, embora não tenha deposto o presidente da República, conseguiu debilitar sobremaneira o governo. O núcleo inicial de comando político deste foi posto abaixo, e o Partido dos Trabalhadores, a maior agremiação da frente que elegeu Lula, sofreu danos enormes a ponto de a nova direção dessa legenda afirmar que é preciso refundá-la. No Congresso, a base aliada foi desmantelada e a oposição passou a atacar quase sem receber revide.
A violência política da direita neoliberal posta a serviço da sua gana de retornar ao governo da República impôs imagens e linguagens na análise política, logo tidas como “naturais” pelos meios de comunicação, dignas, como bem analisou o professor Wanderley Guilherme dos Santos, de uma espécie de jaguncismo político. Essa direita concluiu ou foi levada a concluir que não há no momento condições para o impeachment de Lula. Desse modo, optou pela tática de “sangrar” o presidente dia-a-dia, denúncia a denúncia, calúnia a calúnia.
A imagem dos sonhos da oposição conservadora é um presidente sentado, não se sabe até quando, numa poltrona de seu gabinete do Palácio do Planalto, sob a chantagem de um punhal contra seu pescoço.
Mas, como a fotografia é panorâmica, é preciso, para se compreender esses cem dias, ver o que há no restante do cenário.
O presidente Lula não se rendeu às chantagens e a todo custo busca afastar de si o “punhal” das elites. Escolheu o caminho correto da luta, do encontro com o povo e seus movimentos sociais. Com coragem política passou a desmascarar “o jogo político rasteiro” da oposição e a se referir aos compromissos que o elegeram presidente República.
Esta atitude digna de Lula provoca uma ira ainda maior na direita. Por exemplo, logo após a entrevista coletiva do ministro Antonio Palocci em que ele se defendeu de acusações de corrupção, os líderes do PFL e PSDB teceram loas a Palocci e disseram que Lula deve seguir o exemplo de seu ministro e cessar as “bravatas”. O que agradou a oposição foi o fato de Pallocci ter feito elogios ao governo FHC e, sobretudo, ter assegurado que a política econômica que atende os interesses do capital financeiro não muda uma só vírgula. O líder do PFL na Câmara teve a sinceridade de afirmar que o mercado não quer saber se o ministro é culpado ou inocente, o que interessa ao mercado “é a continuidade da política econômica”.
Mas, de volta ao cenário da fotografia dos cem dias, veio à cena o dia 16 de agosto. Data que marca o início da batalha das ruas. Além da resistência do presidente Lula, os movimentos sociais elaboraram e estão realizando um calendário de mobilizações com três bandeiras principais: combate à corrupção cobrança dos compromissos de mudança e combate ao golpismo da direita (e defesa do mandato do presidente Lula). Nas ruas dois movimentos medem forças: o Fora Lula, puxado pela direita e pelo esquerdismo inconseqüente, e o Fica Lula, liderado por movimentos sociais e partidos da esquerda.
No final da semana que passou, Lula se reuniu com os presidentes do PT, PSB e PCdoB com intuito de reforçar a capacidade de defesa e de iniciativa de seu governo. O presidente também constituiu um colegiado formado por quatro ministros com quais cotidianamente pretende enfrentar a crise. No âmbito do Congresso, há um esforço para dar uma organicidade mínima à base governista.
Em síntese, a oposição continua na ofensiva, mas o presidente Lula e as forças avançadas que sustentam seu governo, progressivamente, vão erguendo as linhas de resistência e ao que tudo indica a luta vai ser prolongada.

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